Vivemos acompanhados de passos, em tempos que também se vão. Passamos por várias coisas. Passamos também as coisas. Às vezes, nem passamos, mas gostaríamos de ter passado. Às vezes, queremos que passe logo, mas o tempo é o melhor remédio para passar. Às vezes, você precisa permanecer ou ir adiante, mas porque somos assombrados para passar? Temos que passar de fase, temos que passar de ano escolar, escutamos muito que tudo vai passar. Mas e o que vai ficar? Será que algo fica de nós? Será que algo fica em nós? Entre tempos que passam, ficam e virão, passar é um rito que todos um dia experimentaremos. Mas e os que ficam? É um problema ou apenas uma escolha por se ter liberdade? E os que não têm liberdade e são convencidos a ficar o tempo inteiro sem poder avançar para uma nova fase? A dependência emocional trava nossas decisões diante da vida, mas de onde elas vêm? De um tempo passado que não foi permitido passar.
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O tempo conjugado em nós
A língua portuguesa nos ensina, desde cedo, a arte de conjugar. Eu passo, tu passas, ele passa, mas o verbo, quando transborda o papel e se aloja no corpo, revela outra gramática, a da experiência vivida.
Cada conjugação é também um tempo fisiológico, um ritmo cardíaco, um sopro de vida. A neurociência já nos aponta que o tempo não é apenas cronológico, ele é vivencial, atravessado pela emoção. Assim como o corpo não existe sem o movimento, a vida não existe sem o passar. No entanto, ao mesmo tempo em que tudo passa, algo em nós se inscreve.
Os músculos guardam memórias, o sistema nervoso aprende a dançar com o que o tempo traz. Passar é verbo transitivo e, na alma, também é intransitivo, às vezes passamos sem deixar nada; outras, deixamos o invisível, uma marca, um afeto, um gesto.
O corpo que passa: biologia do sentir
Na ciência do movimento humano, o corpo é mais do que estrutura: é processo vivo de significação. Passar, biologicamente, é fluxo, o sangue que corre, o ar que se renova, a célula que morre para dar lugar a outra. A vida é um laboratório de passagens contínuas. Mas quando resistimos a passar, o corpo sente. As tensões acumulam-se como verbos mal conjugados: eu deveria, eu não pude, eu não quis. A psicomotricidade nos lembra que o gesto é também linguagem. O que não passa pela fala, passa pelo corpo. Curar-se, então, talvez seja reaprender a conjugar o movimento, permitindo que o corpo expresse o que a alma não conseguiu dizer.
O tempo que não passa: prisões e permanências
Há tempos que parecem infinitos. São verbos presos no passado do pretérito imperfeito, eu passava, mas não passei. A dependência emocional, o medo de mudar, a nostalgia de um tempo que já foi, nos impedem de seguir o fluxo natural da vida. Ficar não é um erro; é uma escolha. Porém, quando o ficar nasce da culpa, ele se transforma em prisão. Se tudo passa, o que fica é o modo como passamos. Fica o aprendizado silencioso de que o tempo não é inimigo, mas aliado, um mestre que ensina, com suavidade, que o movimento é o antídoto da estagnação.
Na espiritualidade, fala-se que “o corpo passa, mas a essência permanece”. Na ciência, compreende-se que “a energia não se perde, apenas se transforma”. E na poesia, descobre-se que passar é a mais bela forma de permanecer, porque é no movimento que a existência se escreve. Assim, entre o eu passo e o nós passamos, há um fio invisível de humanidade. Que saibamos conjugar nossos dias com leveza: no presente do indicativo, com gratidão; no futuro do desejo, com esperança; e no pretérito das lembranças, com amor. O verbo passar é, em essência, um exercício de cura. Ele exige movimento, presença e aceitação, os três pilares da saúde física, emocional e espiritual. Passar é viver. E viver é permitir que o tempo nos atravesse sem nos roubar, apenas nos transforme.